- Marcia Carmo
- De Buenos Aires para a BBC News Brasil
Quando o então candidato Jair Bolsonaro fazia campanha pelo segundo turno da eleição presidencial do Brasil, em 2018, o político chileno José Antonio Kast fez questão de visitá-lo e de ser filmado a seu lado, no Rio de Janeiro.
Candidato ao Palácio presidencial La Moneda, Kast passou, então, a ser chamado por analistas e na imprensa estrangeira como o “Bolsonaro chileno”.
A poucos dias do primeiro turno da eleição, que será em 21 de novembro, Kast, presidenciável pela segunda vez, aparece entre os favoritos à sucessão do presidente Sebastián Piñera, de acordo com pesquisas de opinião.
Mas agora, na reta final da disputa, quando tenta conquistar mais eleitores, ele busca, publicamente, não se parecer tanto com Bolsonaro, como notaram observadores e políticos chilenos e estrangeiros ouvidos pela BBC News Brasil.
Ex-deputado federal por quatro mandatos seguidos, pai de nove filhos, Kast, de 55 anos, é definido como ultraconservador e com motivos para se identificar com o presidente brasileiro – mas não só com ele – e que tem conseguido canalizar o apoio de setores da sociedade chilena.
A afinidade com Bolsonaro inclui a defesa da maior presença da polícia e das Forças Armadas nas ações governamentais, agenda contra as liberdades individuais e a favor da liberdade econômica.
Entre as bandeiras do político chileno estão “lei e ordem”, ações “duras” contra o crime, que o Chile saia da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas e elimine o Instituto Nacional de Direitos Humanos, organização pública criada em 2010 para monitorar essa área no país.
“Claramente, as Nações Unidas estão integradas por países que não acreditam na democracia, que violam permanentemente os direitos humanos (…) como Nicarágua, Venezuela, Coreia do Norte”, disse durante um debate presidencial.
‘Não ao casamento gay’
Advogado e católico, Kast, da Frente Social Cristã, é contra o casamento entre as pessoas do mesmo sexo e o aborto em qualquer circunstância e planeja transformar o atual Ministério da Mulher e da Igualdade de Gênero em Ministério da Família.
Suas propostas levaram o portal de notícias El Mostrador, de Santiago, a publicar, no fim de outubro, uma reportagem intitulada: “O preocupante desaparecimento das mulheres como pessoas de direito no programa presidencial de Kast”.
Em entrevista à BBC News Brasil, o senador Manuel José Ossandón, da governista Renovación Nacional, disse que esta é uma das promessas de campanha que dificilmente será colocada em prática, caso Kast chegue a ser eleito, já que “institucionalmente” seria difícil que a pasta fosse eliminada.
Ossandón e diplomatas estrangeiros também ressaltam que a promessa de ações “duras” com a “militarização” de regiões do país também teria dificuldades de sair do papel.
“Por questões institucionais e porque os carabineros, polícia militarizada, e os militares não querem, não mostram essa inclinação”, disse uma fonte.
Para o sociólogo chileno Manuel Antonio Garretón, caso seja eleito, com o programa de governo que apresentou, o presidenciável teria “problemas de legitimidade”.
Kast costuma criticar o que define como “direita light” e, numa conversa com diplomatas europeus, disse que sua identificação política é maior com os atuais líderes da Polônia e da Hungria – bastiões do populismo de direita na Europa -, como relatou um dos presentes no encontro à BBC News Brasil.
A Hungria é liderada pelo premiê Viktor Orban, conhecido por sua retórica anti-imigração, acusado de erodir o sistema democrático do país e sob constante atrito com a União Europeia. Na pandemia, ampliou seus poderes por decreto e, em julho, o Parlamento húngaro aprovou uma lei vetando que expressões de homossexualidade sejam apresentadas a menores de idade – o que gerou críticas do Parlamento Europeu.
O líder polonês, Andrzej Duda, também ultraconservador, é igualmente contrário aos LGBTQIAP+, e, em sua agremiação política, foi dito que a homossexualidade chegou do exterior ao país.
‘Nostalgia do pinochetismo’
Há apenas poucos meses, Kast era quase o lanterninha na disputa presidencial.
País com cerca de 19 milhões de habitantes, o Chile vive um momento histórico, na visão de estudiosos.
A série de manifestações, realizadas antes da pandemia, levaram o presidente Sebastián Piñera a convocar um plebiscito que levou à formação da Assembleia encarregada de redigir a primeira Constituição em tempos democráticos.
A atual, em vigor, data de 1980, da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). “Se ele (Pinochet) estivesse vivo, votaria em mim”, disse Kast na campanha presidencial de 2017, de acordo com reportagem da época do El País.
Nas manifestações, as bandeiras incluíam pedidos como liberdades individuais, questões de gênero e inclusão social. Como Kast passou a aparecer à frente nas pesquisas de opinião neste contexto?
Nos últimos dias, pesquisas de opinião colocam Kast à frente. A sondagem do instituto Cadem, por exemplo, aponta que Kast teria 25% das intenções de voto no primeiro turno.
O candidato da esquerda Gabriel Boric, do Apruebo Dignidad, teria 19%, e o governista Sebastián Sichel, do Chile Podemos, 8%.
O professor de Ciências Políticas Guillermo Holzmann, das Universidades de Valparaiso e de Talca, entende que pelo menos três fatores justificam o fenômeno atual, apesar de ele não acreditar na possibilidade de que Kast seja eleito presidente.
“Kast representa uma demanda de segurança e ordem compartilhada por parte da sociedade chilena diante do aumento da insegurança pública. Ele também simboliza a visão deja vú do pinochetismo, além do vazio deixado pelo governo (atual)”, disse Holzmann.
O analista lembra que Kast recebeu cerca de 7% dos votos na eleição presidencial de 2017 e, no passado, foi um dos poucos (junto com apenas cerca de 20% dos eleitores) a serem contrários ao plebiscito sobre a realização de uma nova Constituição, convocado por Piñera.
“As pesquisas mostram que Kast está à frente, mas, na nossa análise, ele chegou a um teto, similar aos 20% que foram contra o plebiscito e hoje seria difícil que seja eleito”, disse Holzmann.
Menos bolsonarista, pero no mucho
Para tentar ampliar sua margem de votos, o candidato passou a mostrar um discurso “menos bolsonarista”, como observaram analistas, políticos e altas fontes chilenas.
“Ele começou a se afastar da imagem de Bolsonaro ao ver como o presidente brasileiro agiu diante da pandemia”, disse o senador Ossandón.
Em um debate presidencial, em setembro, o candidato governista Sichel lembrou a Kast que ele esteve com Bolsonaro no Rio, quando até lhe presenteou com uma camiseta de futebol.
Foi quando Sichel lembrou diante das câmeras de televisão: “Bolsonaro disse coisas que para mim são impressionantes. Por exemplo que os homossexuais são homossexuais por consumo de drogas e que seria incapaz de amar um filho homossexual. Você continua defendendo Bolsonaro?”.
O candidato ultraconservador respondeu, então: “Não compartilho tudo o que ele diz. Mas Bolsonaro fez coisas importantes como tirar a delinquência, a corrupção do Brasil e estas coisas, sim, compartilho (com ele)”.
No debate, o presidenciável governista ainda insistiu se Kast não se arrependia, depois das declarações do presidente brasileiro, de ter levado a camiseta para ele. “Não, não me arrependo, de jeito nenhum”, respondeu.
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